sábado, 27 de janeiro de 2018

TRAGÉDIA DA BOATE KISS - cinco anos de impunidade


  Ninguém tem maior amor do que este, de dar alguém a sua vida pelos seus amigos”  João 15-13

Hoje, 27 de janeiro de 2018, fazem exatamente cinco anos da imensurável tragédia ocorrida na madrugada do dia 27de janeiro de 2013 numa discoteca em Santa Maria no Rio Grande do Sul – Boate KISS - que vitimou 242 pessoas e feriu outras 680.

Entre as vítimas encontrava-se o filho de um casal de médicos respeitado pelo profissionalismo e mui querido por toda a clientela e amigos que fizeram durante toda a vida.
Sentimos de perto a dor pela amizade e vizinhança que temos há mais de 30 anos como moradores do Condomínio Mirante de Copacabana.
Dr. Flávio Alexandre Lacerda e Dra. Carla Machado, ambos, médicos, pertencem à casta das pessoas nobilíssimas que vieram a este mundo com o maior propósito - servir ao próximo.
Tinham dois lindos filhos respeitados em suas profissões, amados pelos superiores, pelos colegas de magistratura, escola e trabalho, e mui queridos aqui no Condomínio aonde, até hoje, reside o casal.
Acompanhamos de perto a vida da família e testemunhamos a educação esmerada que deram aos filhos: Adriano Machado de Lacerda, o mais velho, médico endocrinologista e Leonardo Machado de Lacerda, tenente formado pela Academia Militar das Agulhas Negras vítima entre tantos outros e mais um herói desta sofrida história.
Encontrava-me em casa quando uma amiga do terço – grupo de oração que temos há mais de 15 anos – alertou-me que Leonardo Machado poderia estar entre os jovens que pereceram na Boate Kiss. Partimos imediatamente para a casa do casal, que, aflitos e ao mesmo tempo esperançosos aguardavam o telefonema do filho.
Muitas conjecturas ocorreram, palavras de ânimo e orações silenciosas:
 - Não pensem no pior... Leonardo pode estar hospitalizado e por isso mesmo não atendeu o celular. Vai ver que ele perdeu o aparelho enquanto socorria as vítimas...
- Lembrem que ele agora é um tenente e pode estar a serviço do Regimento de Santa Maria.
- Logo mais ele estará contando o que...

Adriano, o irmão mais velho, já havia partido do Rio com destino a cidade de Santa Maria.      

Foram horas de espera com a dimensão de eternidade.

Flávio e Carla não paravam caminhando pelo apartamento esperando o telefone tocar a cada instante. O silêncio se prolongava e com ele a angústia amarrada a um fio tênue de esperança e fé.
Lembro-me com lágrimas nos olhos e profunda dor no coração o momento exato em que Adriano ligou para os pais confirmando, infelizmente, a morte do filho e irmão amado. O casal estava no corredor do apartamento e se abraçou apoiando-se mutuamente. 
O mundo girou e soluços de dor encheram todo o ambiente. Minha cabeça entrou em pânico, meu coração em colapso. Fui trazida até o meu apartamento. Minhas amigas que ficaram deram todo o apoio e os familiares e amigos foram chegando pouco a pouco.    
Os pais continuam buscando forças para superar a indescritível perda e Adriano perdeu seu único irmão. Seus filhos não terão primos e nem o tio amado estará presente nas noites de natal, nas festas escolares e nos aniversários.
 O tenente Leonardo Machado de Lacerda, de apenas 28 anos, fora velado no Cemitério Memorial do Carmo, no Caju, aqui no Rio de Janeiro na presença de familiares, amigos e colegas de farda.
O coronel Mário Fonseca, que fora representar o Comando Militar do Leste, entre poucas palavras destacou a bravura de Leonardo: "Ele já tinha saído e voltou para salvar outro oficial. Depois, de tirá-lo da boate, voltou mais uma vez. Esta é uma atitude inerente aos oficiais do Exército". 
Um amigo e vizinho da família, Marcelo Moreira, entre lamentações e lágrimas externou todo o nosso sentimento: “Ele morreu como um herói. Era um filho que todo pai gostaria de ter. Não bebia, não fumava, não se metia em confusão. Estava muito feliz com a transferência para o Sul e tinha ido à boate para comemorar com os novos colegas”
Formado pela Academia Militar das Agulhas Negras, Leonardo estava no Primeiro Regimento de Carros de Combate de Santa Maria há apenas 15 dias.
Se hoje, dia 27 de janeiro, narro esta triste história da qual testemunhei o sofrimento do casal amigo, é para lembrar a dor uníssona de todos os pais, irmãos, familiares e amigos que perderam seus entes queridos e até mais de um jovem naquela fatídica noite.
É para levar solidariedade à família de todas as vítimas mesmo aquelas que embora tenham sobrevivido amargam até hoje problemas de saúde e marcas de queimaduras na pele e dores profundas na alma.
Se hoje, 27 de janeiro de 2018, relembro esta triste história que comoveu e enterneceu o Brasil e o mundo é para que as autoridades fiscalizem todos e quaisquer  locais de entretenimento permitindo que os nossos jovens possam se divertir em total segurança.
Foram muitos os erros primários apontados pelos peritos que levaram a Boate Kiss a arder em chamas.
O Estado, em todos os seus níveis, precisa e tem o dever de proteger e dar segurança a todos os nossos jovens e não permitir que tragédias como esta venha tirar a vida de nossos jovens e marcar para sempre a existência de qualquer cidadão.
Se hoje relembro esta noite de horror é para pedir justiça, pois, embora o inquérito policial tenha apontado 28 pessoas responsáveis pela tragédia, entre eles os dois proprietários da casa, quatro bombeiros e integrantes da Banda, um foi absolvido, dois condenados pela Justiça Militar por expedição de Alvará de Licença e outro pela Justiça Comum por fraude processual.
Pasmem! Todos cumprem em liberdade enquanto cada família que enterrou seus filhos estará para sempre presa a uma dor indelével de perda, saudade eterna, abandono e revolta.
Rio, 27 de janeiro de 2017.
Jailda Galvão Aires.